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Blogosfera que Pica
Artur de Oliveira 31 Jul 12
Com a devida vénia do meu amigo Joaquim Pinto, transcrevo o seu artigo sobre ética, que é algo que escasseia neste país dominado pelo centrão de baixo...
"A ética encarrega-se, conjuntamente com a moral, de qualificar o atos humanos em relação ao “fim último” da pessoa, do mesmo modo que serve como orientação para o agir do ser humano na sociedade onde este – o ser humano – se insere; visto que é na sociedade que o individuo se desenvolve e alcança as metas que lhe são importantes… onde procura ser feliz.
Segundo a filosofia grega, toda a atividade humana tende para uma finalidade (telos). A finalidade da atividade de um pedreiro é fazer, entre outras coisas, uma parede bem feita; a finalidade da atividade de um professor é transmitir bem o conhecimento aos alunos, etc.
Verificamos que nem todos os fins são idênticos e que dependem, eles mesmos, da atividade que lhes esteja subjacente para serem alcançados. Nem mesmo as atividades são iguais. Aristóteles faz uma distinção entre a práxis, que é uma ação imanente que comporta a finalidade em si mesma, e a poiésis, que é a produção de uma obra externa ao sujeito (agente) que a realiza.
Tomando como exemplo: o fim da ação de esculpir uma estatueta não é a própria produção da estatueta, mas a própria estatueta. Porém, esta, comporta um fim para o qual a própria estatueta é um meio: venerar uma deidade, comemorar um feito, etc.
Deste modo, constatamos que alguns fins se subordinam a outros, existindo, entre eles, e nas atividades que os produzem, uma hierarquia. Como tal, torna-se necessário determinar qual é o fim último do homem… em relação ao qual estarão subordinados todos os outros fins. Torna-se, igualmente necessário, procurar aquele fim que não seja um meio para mais nenhum fim.
Terá que haver um fim último, em si mesmo, e que seja o fundamento de todos os demais. Caso isto não se suceda, e os fins forem sempre meios para outros fins, e assim “ad eterna”, estaríamos no paradoxo de que os fins são fins de coisa alguma, o que nos tornaria absurdos e desnecessários. Mas, de facto, há fins, portanto deve haver um que seja o completo fim em si mesmo, e não um meio para qualquer outro.
É a felicidade (eudaimónia), o último fim… o último bem. Porquanto se disse que a ética aristotélica é uma ética eudemonista, pois considera que o fim (bem) último que os homens perseguem é a própria felicidade. Estamos, porém, com outro problema: definir o que é isto de felicidade, bem como o que é que a procura.
Para uns, alcançamos a felicidade através das riquezas materiais; para outros com louvores e fama; e muitos, até, através do prazer. Aristóteles diz-nos, que estes não são mais do que bens externos, que não são perseguidos por si mesmos, mas meios para alcançar a felicidade. É esta a única que se basta a si mesma para ser ela própria: é autárquica e perfeita. O demais bens, os externos, que se procuram, podem nos acercar da felicidade, porém, a sua posse não é condição essencial, nem tampouco implica que sejamos felizes.
Não significa, o dito, neste contexto, que o bem seja transcendente ao homem; o mesmo é dizer, que se trate de um bem em si, separado de todos os bens particulares. O estagirita faz resvalar a conceção platónica de bem, aquela que ignora que só é possível realizar o bem em situações concretas e particulares e, em momento algum, iguais:
“ Não é a saúde que considera o médico, mas a saúde do homem e (…) a saúde de um tal homem, porque é a um indivíduo a quem cura”
Não existe, em sequência, um acordo entre os homens em relação ao que proporciona a felicidade nem ao que é o bem último do homem, a ética irá dedicar-se a elucidar as diversas classes que existem do bem. Segundo ainda o estagirita, podemos dividi-las em três tipos:
1. Bens externos: riqueza, louvores, fama, poder, etc.
2. Bens do corpo: saúde, prazer, integridade, etc.
3. Bens da alma: contemplação, sabedoria, etc.
Não é por possuirmos riqueza que garantiremos a nossa felicidade. Nem tampouco a consecução do prazer nos faz feliz. Por norma, necessitamos de algo mais para o sermos e nisso nos distinguimos dos animais. Apesar de estes bens particulares não nos bastarem, até ajudam. Neste especto, Aristóteles mantem uma postura moral bastante desmistificada e realista: o bem não pode ser algo ilusório e inalcançável. Aparte de alguns bens exteriores (saúde, riqueza, etc.,) a felicidade será quase impossível de alcançar. Então em que consiste a felicidade (eudaimonía)?
Se é o bem supremo, aquele que já não é um meio para nenhum outro fim, haverá que determinar em que consiste o bem para cada um de nós. O bem é o ato (energia) próprio de cada ser, o mesmo é dizer; aquele que está determinado pela sua própria essência ou natureza. Partindo do pressuposto que a natureza humana está determinada pela específica função da sua alma, o pensamento, a felicidade consistirá, fundamentalmente, num bem de alma: a contemplação.
O maior bem para um homem será o pleno desenvolvimento do que lhe é mais essencial: a inteligência; a atividade contemplativa. É a virtude da sapiência que procura a verdadeira felicidade, conquanto que a deva conjugar com outras virtudes e com os bens exteriores. O estagirita faz a distinção entre duas classes de virtudes, de acordo com as funções da alma: racionais e irracionais.
“A virtude manifesta-se num duplo especto: um intelectual, outro moral; a virtude intelectual advém na sua maior parte da instrução ou educação (…) a virtude moral é filha dos bons hábitos” (costumes).
Existem duas tipologias de virtudes: as éticas e as dianoéticas. Ambas expressam a excelência humana e a sua realização é precursora de felicidade. Através das virtudes o homem domina a sua parte racional.
Virtudes éticas:
São adquiridas através dos costumes ou hábitos e consistem, fundamentalmente, no domínio da parte irracional da alma (sensitiva) e no regular das relações entre os homens. As virtudes éticas mais importantes são: a coragem, a temperança, a justiça.
As virtudes dianoéticas:
São as que corresponde à parte racional do homem, sendo, deste modo, próprias do intelecto (nous) ou do pensamento (noésis). A sua origem não é inata, mas que devem ser apreendidas através da educação ou do ensino. As principais virtudes dianoéticas são: a inteligência (sabedoria) e a prudência.
Vejamos como Aristóteles faz esta distinção:
1. A Virtude como Hábito ou Disposição da Alma
A virtude não é inata ao homem, como o são as paixões, instintos ou tendências. Caso fossem próprias da natureza humana, todos seríamos virtuosos pelo simples facto de sermos humanos, e isto, como sabemos, não é o que se verifica. Mas também não é um dom da natureza, nem é uma ciência, como algumas correntes gregas sustentavam (Platão). Não somos homens justos e bons por termos o conhecimento do que é o bem e a justiça; nem temos temperança pelo simples facto de sabermos o que é.
A virtude implica vontade para construir com consciência. Não pertence apenas à ordem do logos, mas também e inevitavelmente ao ethos, ao costume, ao hábito. As virtudes adquirem-se através dos costumes, do exercício e do hábito. Acostumamo-nos a qualquer coisa quando executamos repetidamente a sua construção e a convertemos num hábito, numa maneira de ser, na nossa conduta. Não podemos ser justos apenas porque temos conhecimento do que é a justiça, devemos exercitá-la e praticá-la até a convertermos num hábito, num hábito do nosso comportamento. Só praticando a justiça poderemos aspirar a ser justos.
2. A Virtude como Meio-termo
A virtude implica, também, uma certa medida, uma certa ordem em o excesso e o defeito. Aristóteles intenta a objetivação da virtude: esta seria um meio-termo entre dois vícios, um em excesso e outro e defeito. Assim, o valor é um meio-termo entre a cobardia e temerosidade e assim por diante. A virtude introduz um equilíbrio, a mesura e não mediocridade. Mas como definir este meio-termo em função de cada indivíduo e/ou situação? Todas as cóleras são injustas ou viciosas? Poderá haver lugar a uma cólera justa?
Na perspetiva do estagirita, não existe uma medida impessoal para definir entre o justo e o meio-justo. Cada homem deve ser juiz do mesmo modo que o faria um homem sábio e prudente. “ A virtude é uma disposição adquirida pela vontade, consiste num justo meio relativo a nós mesmos, o qual está determinado pela regulação reta, como o estaria um homem prudente”.
Aristóteles recorre à autoridade do “homem prudente” porque sabe que não existe uma definição universal que abarque todos os casos concretos e particulares. Não é possível, através de uma fórmula, prever a boa ação moral em cada caso. Apenas a experiência dos homens e a sua inteligência prudente poderão determinar em cada caso a opção moral mais adequada.
3. As Virtudes Morais:
A temperança é o meio-termo entre a libertinagem e a insensibilidade. Consiste na virtude da moderação frente aos prazeres e às penalizações.
A coragem é o meio-termo entre o medo e a audácia. (Etica Nic. 1115ª).
A generosidade é o meio-termo na relação com o uso e a posse dos bens.
A justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido.
Há duas categorias de justiça:
A justiça distributiva: que consiste em distribuir as vantagens e as desvantagens que correspondem a cada membro de uma sociedade – segundo o seu mérito ou demérito. A justiça comutativa: que restaura a igualdade perdida, danada ou violada, através de uma retribuição ou reparação regulada por um contrato.
4. As Virtudes Dianoéticas:
A mais importante desta categoria de virtudes é a prudência (phrónesis): consiste na habilidade intelectual de discernir entre coisas que são necessários ou não. É uma virtude guia das demais virtudes morais, é aquela que indica que meios são necessários para alcançar os fins propostos e a procura do bem. "
Joaquim Pinto
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