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Blogosfera que Pica
Faust Von Goethe 5 Nov 12
John Wolf 5 Nov 12
Passos Coelho quer refundar. Barack Obama deseja fundar. A poucas horas das eleições presidenciais Norte-Americanas, penso sobre o que distingue um político de um estadista. Penso sobre o que constitui uma visão duradoura fundada na ideia de justiça e equidade. Penso no oposto também. Naquilo que coloca o cidadão em risco, que o exclui, que o antagoniza - o agoniza. Conhecidos que são os desequilíbrios do paradigma Americano, Obama procura mais um mandato para avançar as grandes causas jamais pensadas pela matriz política e cultural dos Estados Unidos. A referência a Socialismo nos EUA tem uma conotação ácida, proibida. Faz soar o alarme de "economias de direcção central", faz arrepiar os corredores académicos de Chicago e relembra fitas que alertavam para a chegada dos Russos. No entanto, não conheço país mais socialista do que os Estados Unidos. Mas quando uso o conceito socialista de um modo tão livre, rogo a vossa flexibilidade conceptual. Refiro-me a uma outra variante, porventura uma estirpe mais importante que a centralidade política. Arrisco uma nova definição para facilitar a sua aceitação. Se tivesse de travar-me de razões com um compatriota Americano, apresentaria a coisa de um modo suave. Utilizaria uma expressão suave, uma versão ideologicamente light, diet. Seria uma doutrina fundada na livre associação de cidadãos em prol de projectos comunitários. A sociedade civil em todo o seu esplendor. A ironia a que assistimos tem a ver com essa inversão de papéis ideológicos e programáticos. Enquanto que em Portugal o Estado Social está a ser desmontado, nos EUA Barack Obama procura plantar as primeiras sementes de um Estado tendencialmente Social. Um país que definitivamente se coloca ao serviço de todos cidadãos. O Obamacare será uma parte apenas de um corpo de intervenção maior. Uma visão que universaliza os princípios subjacentes à própria independência do país, os valores que levaram ao rompimento com a paternidade colonialista. Neste momento de convulsão, não serve de conforto nem conserto para os males Portugueses, as soluções que venham a ser escolhidas pelos Americanos. Mas para que não restem dúvidas. Há quem procure defender o que outros querem enjeitar.
Mendo Henriques 5 Nov 12
Dívida: Os Primeiros 5000 Anos, do antropólogo David Graeber é um livro muito especial. Quase todos os problemas que levanta são pertinentes. Quase todas as respostas que dá, são erradas ou enviesadas. O autor tem um raciocínio muito ideológico, sempre a querer provar a sua tese anarquista de que a sociedade nos corrompe. É, também, um livro invulgar, uma exposição sobre a construção humana da ideia de valor e dos interesses políticos que a acompanham. Analisa práticas desde as crenças religiosas sobre os deveres, até às noções positivistas de "dívida social", e as ligações entre os estados e os mercados.
Em Filosofia do Dinheiro, escreveu Georg Simmel que " a troca de produtos não é apenas um fato económico "(52-53). Atribuímos um valor aos objetos, como se fosse uma qualidade inerente às relações sociais. Graeber faz alguma síntese das doutrinas conhecidas sobre valor, troca e dinheiro, mas traz novidades. Considera a dívida como a quantificação de uma promessa e de uma obrigação com uma ameaça de violência por detrás, em contraste com a obrigação na ajuda mútua. Começa por dizer que a humanidade está em dívida absoluta para com o cosmos, por muito descabida que esta noção pareça nas sociedades individualistas. Com este começo, mostra como é difícil “calcular o incalculável", e desafia as teorias correntes da dívida que "culminam em justificações das instituições da “polícia, mercados e estados” (69). Uma abordagem que ultrapassa a noção de sociedade como Estado-nação.
Sobre os fundamentos morais das relações económicas, Graeber aprecia o "comunismo" como o fundamento básico da sociedade. Em Inglês, por exemplo, "obrigado" deriva de um verbo que significa "Vou recordar o que fizeste por mim”(122). Mas extrai daqui conclusões enviesadas sobre o agradecimento como um comportamento da classe média. Distingue entre as economias comerciais e "humanas" (!!!!), as trocas em que o dinheiro atua mais como um lubrificante social que facilita a compra de coisas e arranjos conjugais usados para afirmar o controle masculino sobre as mulheres. Examina, enfim, as formas mais graves de dívida dos países ocidentais, essencialmente a dívida de guerra agregada desde 1790. Sendo os EUA um "complexo militar-industrial", o livro de Graeber serve como um lembrete da "doutrina de projeção de poder global", que conjuga o mal-estar social da dívida e a glorificação da violência económica e política que a sustenta.
Em Dívida, Graeber pretende derrubar muitos conceitos: a troca direta; o mercado livre; e o dinheiro como mercadoria, mas o que mais consegue é chamar a atenção que devem ser repensados. O dinheiro, por exemplo, "não é uma 'coisa', é uma forma matemática de comparar as coisas"(52).
Mesmo sem concordarmos com as teses, ré evidente que o livro tem amplitude histórica e profundidade doutrinária. Afinal, “Os últimos 5000 anos” marca um regresso à "grande ideia" da antropologia que perdera força nas últimas décadas. Os antropólogos eram supostos falar sobre as nossas origens, história e diversidade mas estes assuntos foram capturados por amadores.
Ao combinar vários enquadramentos culturais e nacionais, a grande narrativa de Graeber é uma crónica de como a quantificação e codificação da dívida pode levar à desintegração de grandes civilizações e das soceidades atuais. É um livro que merece leitura urgente em tempo de crises e de dívidas. De “primaveras árabes” no norte de África, movimentos contra a "austeridade" em Portugal, Espanha e Grécia, de mobilizações Occupy Wall Street . Talvez o resumo mais sintético do livro seja a do leitor que escreveu: “Vivemos em uma dúzia de sistemas ao mesmo tempo. O capital domina mas não determina. As possibilidades são infinitas. "
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