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Blogosfera que Pica
Mendo Henriques 16 Mar 16
Nos três dias de tomada de posse do nosso quinto Presidente da República da democracia portuguesa “Houve uma coisa simplesmente bela…” como diz o poeta.
Foi quando na tarde do dia 9, após a tomada de posse na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa participou numa cerimónia inter-religiosa na Mesquita Central de Lisboa.
Aí destacou a “consagração da liberdade religiosa, que supõe a liberdade de não crer”. E o que mais disse sobre diálogo, entendimento e compreensão recíproca, sem negar diferenças, mostra que acredita numa coisa: confissão religiosa e ausência de religião são para serem partilhadas no espaço público e não só em espaços privados.
Mas onde está o benefício destas boas palavras? Esse é que é o ponto. Como é que o novo presidente enfrentou aquele preguiçoso anti-clericalismo português que se manifesta desde os tempos homéricos de Camilo, Eça, Brandão e Aquilino até à maldição hodierna sobre “as religiões” como provocadoras de guerra?
Marcelo quis mostrar que, como sociedade, estamos a virar uma página porque aprendemos a olhar para os outros sem os querer reduzir a nós. Ecumenismo é aproximação entre as Igrejas cristãs para ultrapassar divisões. Diálogo inter-religioso é relação das Igrejas com as outras religiões e com os que não têm nenhuma.
Aparte estas distinções, Marcelo apelou a “que os próximos cinco anos sejam vividos sob o signo da mesma paz, justiça e fraternidade” evocados pela reunião.
Na celebração inter-religiosa estiveram em pé de igualdade as várias confissões cristãs – católicos, evangélicos, adventistas e outros – seja qual for a sua expressão e peso em Portugal – e muçulmanos, judeus e budistas. Na realidade, quase duas dezenas de Igrejas e os sem religião nenhuma, ateus “graças a Deus”. Em pé de igualdade, por que o Estado é só um.
Podem ser várias as leituras políticas desta cerimónia. Uma delas é que o novo Presidente da República não quer que os refugiados muçulmanos do Médio Oriente que têm chegado à Europa sejam “os novos judeus”, alvos de perseguições.
Também é bastante claro que apela contra os ataques terroristas na Europa e no mundo. Até se pode pensar que a sua mente florentina e criativa escolheu um templo muçulmano para dar uma mensagem cristã.
Tudo bem. Mas isso fica em segundo plano face às palavras “breves, mas sentidas” de Marcelo de que “Portugal deve muita da sua grandeza secular ao seu espírito ecuménico.”
Essa é a coisa simplesmente bela: ter religião ou não ter religião não é assunto para ser tratado de modo clandestino: é para ser partilhado na praça pública.
Divisões, já temos que baste no nosso país.
Artur de Oliveira 13 Mar 16
É que não habia nechechidade...
Mendo Henriques 8 Mar 16
http://www.jornaltornado.pt/retrato-do-presidente/
Estou a observar o retrato presidencial do prof. Cavaco Silva por um pintor de sucesso. O retrato é convencional, fotográfico nos pormenores e fotogénico no personagem. O ex-presidente tem na sua mão direita uma caneta que vai escrever não sabemos o quê e a mão esquerda assenta sobre A Constituição da República Portuguesa (1976) e A Riqueza das Nações, de Adam Smith (1776). Um tinteiro antigo e valioso dá uma nota de compostura estética burguesa enquanto uma gigantesca bandeira nacional forma um fundo que o isola do mundo. Nação, Constituição, riqueza, caneta e tinteiro. O poder é discreto mas presente. Tudo o mais – a realidade internacional, a língua como cultura, o ar livre e a natureza, e sobretudo os outros que justificam que haja estado e coisa pública, esses não são representados. São literalmente obscenos.
Não tenho dúvidas que o prof. Cavaco Silva, cinco vezes eleito pelo povo e uma vez derrotado, assumiu a revolução do 25 de Abril. Em 1974, Portugal pluricontinental poderia ser rico mas a esmagadora maioria dos portugueses era pobre. Contra a guerra, a pobreza, o analfabetismo, a falta de infraestruturas, a emigração galopante e a mortalidade infantil veio o programa dos 3 D’s, descolonizar, democratizar e desenvolver. Foram integrados quase 1 milhão de portugueses de África; cessou a emigração; ergueu-se um sistema de saúde, democratizou-se o ensino, terminaram os complexos africanos e convergiu-se com a Europa. Foram os 10 anos do General Eanes.
Foi neste quadro benéfico que o prof. Cavaco Silva rodou para a Figueira da Foz em 1984. Nos X, XI e XII governos, continuou a construção de equipamentos: saneamento, redes de água e energia, escolas e hospitais, equipamentos culturais e sobretudo autoestradas. A adesão à União Europeia em 1986 parecia incontornável mas impôs um padrão de especialização económica a Portugal — como o Tratado de Methuen — promovendo sectores à custa da destruição de outros. Foram-se as pescas, a marinha mercante, parte da agricultura, muito da indústria tradicional, e a reparação naval agonizou.
Os fundos europeus PEDIP I e PEDIP II, FEOGA chegavam. Surgiu a reforma fiscal de 1989. Vieram as privatizações que repartiram por grupos nacionais os bens nacionalizados em 1974-5. A promessa de bem-estar do 25 de Abril redundava na obstinada política do betão que, à data, teve um efeito multiplicador sobre a economia. A ponte Vasco da Gama, o C.C.Belém, o ANTT, TagusPark, a organização da Expo’98, tudo muito lisboeta, seria o culminar desta política. O algarvio Cavaco Silva serviu bem a capital do país.
Após o prof. Cavaco Silva deixar de ser primeiro-ministro em 1995 e perder as presidenciais de 1996, começou a deixar avisos sobre o que chamou o “monstro” que ajudou a criar: a administração demasiado grande num país em que a sociedade civil e as empresas nacionais eram demasiado exíguas. Começou a deixar avisos que estávamos a divergir da Europa em riqueza, sempre a riqueza que é um meio, e não a prosperidade e a justiça que são finalidades e que exigem horizontes mais largos.
Os governos do Eng.º Guterres (XIII e XIV) seguiram políticas pró-cíclicas, aumentando o investimento em obras públicas, mas já sem efeitos multiplicador benéfico. Quando emergiu o iceberg da corrupção, o eng.º Guterres foi-se embora, desiludido com o pântano e acabou “exilado” num cargo internacional em 2005. O Dr. Durão Barroso (XV governo) declarou o “estado de tanga” nacional e aumentou os impostos mas depois deixou o seu posto para aceder ao cargo de presidente da Comissão Europeia, em 2004. Após o curto governo do Dr. Santana Lopes (XVI) foi eleito o Eng.º Sócrates (XVII) que replicou as políticas do betão, aumentando o endividamento, com aumento exponencial de despesas.
Foi então Cavaco Silva eleito presidente em 2006. A despesa pública subira mas o crescimento descera. Os resultados eram frustrantes: investigava-se sem criar patentes: produzia-se sem aumentar as exportações; educava-se sem ligação com a formação profissional; cresciam os direitos mas degradava-se a justiça. Entretanto a crise mundial desencadeou a grande recessão em 2008.
No final do XVIII Governo de José Sócrates e após sucessivos investimentos mal formatados, regressávamos aos 70% da média do PIB per capita europeu de 1974. As riquezas foram engolidas por um endividamento penoso das famílias, das empresas e do Estado. O Eng.º Sócrates exilou-se para Paris, tal como o seu homólogo da I República, o Dr. Afonso Costa.
Esperava-se neste ambiente que o prof. Cavaco Silva apontasse caminhos, criasse pontes, chamasse pessoas, projectasse o país na lusofonia e na Europa. Nada disto se passou. Apenas discursos de contingência e de circunstância. A caneta ficou na mão direita sem nada escrever. A promessa de riqueza não foi acompanhada de qualquer visão de humanidade, de cidadania, de Justiça, de sonho para um povo. O prof. Cavaco foi caindo numa monumental insignificância. Não o critico propriamente a ele: critico o Cavaco ou o cavaquismo que existe em cada um de nós e de que temos de nos libertar.
De tal modo o endividamento cresceu que os partidos do famigerado arco da governação assinaram com a Troika, em Maio de 2011, o Memorando de Entendimento. O governo do Dr. Passos Coelho (XIX) foi o desastre que se sabe de austeridade. Continuaram os escândalos da corrupção e surgiram mais bancos rotos, BES, e Banif. E após um interlúdio governamental da PÁF em 2015, o governo do Dr. António Costa (XXI) com o apoio do BE e do PCP, está a tomar tímidas medidas de reposição dos rendimentos. Ponto importante: não cultiva ódios, pois convidou o prof. Cavaco Silva para o conselho de ministros sobre o Mar no dia 3 de Março.
A 9 de Março de 2016 o prof. Cavaco Silva deixa o cargo de presidente. Não deixa Portugal como o Titanic que se afundou com a orquestra a tocar mas deixa-o como o Tollan, encalhado, mais pobrezinho, mais nosso, mais encavacado. É o que sucede a quem só pensa em meios sem cuidar dos fins.
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