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O Ouriço

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Zona Euro pelo Fio da Navalha-#1

Faust Von Goethe 6 Ago 12

Soluções para a crise do Euro 

por Ricardo Gonçalves do blog EcosEconomia

 

Antes de mais, não vale a pena estar aqui com grandes considerações acerca de todo o percurso da crise do euro. Este já é sobejamente conhecido. Assim, neste artigo preocupo-me, fundamentalmente, em reflectir sobre que caminhos deve seguir a UEM. Várias propostas já foram analisadas, nomeadamente: o haircut das dívidas, os eurobonds e ainda a existência de um novo papel para o BCE. Analisemos então cada uma destas propostas:

 

1 – Haircut das dívidas

 

Esta tem sido uma das medidas defendidas, principalmente por alguns partidos mais à esquerda. Será esta solução possível, e sendo assim quais serão as suas consequências? Primeiramente, esta é possível, contudo parece-me que é algo que pode ser muito negativo, na medida em que pode afastar estes países por vários anos dos mercados financeiros, bem como aumentar, significativamente, os custos de financiamento do Estado e dos privados, o que tem efeitos negativos no investimento e no crescimento. Para demonstrar isto, pego num caso que remonta ao início do século XXI ( a crise argentina), que sofreu os efeitos de uma bancarrota

 

Taxa de crescimento do PIB real argentino

 

 

1999

-3%

2000

0,8%

2002

-14,7%

               Fonte: IndexMundi

 

Como vemos pelo gráfico, a economia argentina sofreu imenso com o incumprimento de dívida. É verdade que, posteriormente a economia argentina recuperou, mas nestes anos sofreu uma quebra do PIB de cerca de 20%. No caso da Argentina, este incumprimento era inevitável, contudo no caso da UE parece-me que as circunstâncias são diferentes, principalmente pelo facto de o Euro ser internacionalmente uma moeda de referência, ao contrário do peso argentino, o que implica que os países do euro se possam financiar internacionalmente na sua própria moeda. Assim, como mostrarei à frente, este é um facto importante para delinear outro tipo de soluções.

 

2 – Eurobonds

 

Este tipo de obrigações tem sido apontada como outras das soluções para resolver a crise europeia. No entanto, tal solução parece-me que dificilmente será exequível, na medida em que países como a Alemanha, não aceitarão que os seus custos de financiamento aumentem consideravelmente, na medida em que nestas será incorporado o risco dos países do sul da Europa. Para além disso, este mecanismo não afasta um risco sempre presente que é o de incumprimento dos países. Finalmente, parece-me que caso a zona euro resolva os seus desequilíbrios não são necessários os eurobonds para os custos de financiamento dos países aproximarem-se ( ver figura seguinte).

 

 

 

Como se vê, antes do início desta crise financeira, as taxas de juro dos países da UEM eram relativamente similares. Assim, parece-me o que deve fazer, na minha opinião, é criar as condições para que isto volte a acontecer e não forçar, através da criação dos eurobonds, que cheguemos a esta situação. Assim, com os eurobonds penso que a qualquer altura, pode acontecer que haja um ataque especulativo a estes, aumentando seriamente as taxas de juro, fazendo com que países como a Alemanha tenham tendência a sair deste mecanismo. Parece-me então que é necessário uma solução mais forte, e que traga mais vantagens para os países. Que solução é essa?

 

 

Intervenção do BCE

 

A chave para a solução da crise parece-me a intervenção do BCE. Assim, o BCE deve funcionar como um credor de último recurso, garantindo o pagamento das dívidas dos países, bem como o seu serviço de dívida. Parece-me que esta solução face ao eurobonds, tem a vantagem de ser mais credível, em caso de aplicação, bem como de afastar quase por completo, o risco de incumprimento, o que faz com que as taxas de financiamento sejam ainda mais baixas.

 

Quais as reservas da Alemanha?

 

Contudo (como se viu nesta semana anterior), a Alemanha tem muitas reservas em relação a uma forte intervenção do BCE. Porquê? Tal deve-se ao profundo medo que a Alemanha tem da inflação (aliás se forem ao site do BCE, este apresenta-nos a inflação como um monstro). Contudo, isto poderá ser ultrapassado. Como? Primeiro há que frisar, como já demonstrei num post no meu blog ecoseconomia, a garantia sobre dívidas passadas não cria inflação. Esta resulta de pressões sobre a procura agregada, e esta acumulação de dívida já criou estas pressões no passado. No entanto, a Alemanha tem medo que no futuro, isto seja uma almofada para estes países incumpridores que a verão como um incentivo a mais endividamento.

 

Assim, o que deve ser feito?

 

Devem ser criados um conjunto de critérios, nomeadamente alguns já bem conhecidos, tais como os orçamentais. No entanto, deve ser acrescentado outro igualmente importante que diz respeito ao equilíbrio da Balança Corrente. Se analisarmos os países resgatados vemos que estes apresentam um ponto em comum (que é o desequilíbrio desta Balança). Se analisarmos o caso argentino (país que tem registado uma apreciável recuperação económica), vemos que antes do rebentar da crise, esta economia acumulou sucessivamente desequilíbrios da Balança Corrente, que foram resolvidos no pós-crise, registando-se actualmente um equilíbrio dessa mesma Balança

 

 

 

Como se comprova, os sucessivos desequilíbrios externos, resultaram numa bancarrota. Contudo, após isso, esse rumo inverteu-se. No entanto, como sabemos a Argentina não está agrupada numa área monetária, o que faz com que tenha ao seu dispor a política cambial (aliás, por detrás deste incumprimento, esteve a adopção de um regime de câmbios fixos face ao dólar, o que criou graves desequilíbrios). Assim, para o caso dos países do sul estes equilíbrios são possíveis? Para responder a esta questão, analisemos a evolução desta Balança, após as medidas de austeridade. Para o caso português em 2013 atingiremos já o equilíbrio desta Balança Corrente. Para o caso irlandês esse equilíbrio já foi atingido. Assim, isto só mostra que estes desequilíbrios foram frutos de pressões excessivas do lado da procura, que podem perfeitamente ser resolvidas no interior de uma área monetária.

Assim, também deve ser uma prioridade dos países este equilíbrio, e deve ser um dos critérios para uma nova zona euro.

 

Conclusão

 

Assim, parece-me que a melhor solução é a intervenção do BCE, já que só esta fará com que haja uma aproximação não artificial dos custos de endividamento, e nivelando os mesmos por baixo, já que praticamente aniquilam os riscos de incumprimento. Assim, é uma melhor solução que os eurobonds. No entanto, como se demonstrou para o caso argentino, deve-se promover os equilíbrios macroeconómicos, nomeadamente o da Balança Corrente, que como se demonstra para o caso argentino, contribuiu para o recomeçar de um período de crescimento. Relativamente ao haircut, não me parece uma boa solução, pois estando numa área em que os países se endividam na sua própria moeda, não há o risco de haver pressões especulativas, no sentido da desvalorização da moeda, já que as expectativas no caso europeu desempenham um papel fundamental. Assim, há espaço para o BCE garantir as dívidas, em contrapartida de critérios exigentes e que devem ser para cumprir. 

 

 

Disclaimer:

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6 comentários

De Jack Soifer a 07.08.2012 às 01:08

Quando se muda a estrutura económica e introduz-se uma real justiça e uma democracia económica para o benefício dos consumidores e do país, não se pode esperar algo mais do que o cáos. O Nelson não reproduziu o PIB após 2003, que cresceu mais do que a grande maioria dos países da UE e não só. Foi um crescimento sustentável de uns 5 a 7% ao ano.
Também esqueceu de dizer que no ano 2002 só o PIB caiu, enquanto a economia PARALELA floriu. Esqueceu de mencionar os problemas da falta de mão de obra que a Argentina teve em recentes anos e teve que 'importar' técnicos de los hermanos vizinhos. E que se algum jovem técnico Português experiente quiser trabalho hoje é muito mais fácil ir para a Argentina ou Chile do que qualquer outro país, excepto a Nova Zelândia e a Austrália.
Vale ainda dizer que, enquanto outros países como EUA levaram 8 anos para modernizar a ultrapassada estrutura económica e a Dinamarca quase 12 anos, a Argentina o fez em apenas 3 anos. A Argentina foi o único país no último meio-século que renegou o monetarismo e pôs em prática o desenvolvimentismo. Re-introduziu barreiras à importação daquilo que tinha ferido a sua economia, passou a controlar como nunca antes as movimentações de capital e reduziu muito a especulação, focando os investimentos em indústrias.

De Ricardo Gonçalves a 07.08.2012 às 15:46

Caro Jack,

Antes de tudo, gostaria de esclarecer que este artigo não foi redigido pelo Nélson Faustino, mas sim por mim (Ricardo Gonçalves), autor do Blog EcosEconomia.
Relativamente ao que referiu, primeiro estas quebras profundas no PIB coincidiram com a grave crise financeira (claro que isto depois teve outras repercurssões). Quando compara as taxas de crescimento pós-crise argentina com as da UE, não me parece um raciocínio correcto, por dois motivos explicáveis pela teoria económica: primeiro após esse profunda depressão, é perfeitamente normal termos taxas de crescimento elevadas, uma vez que a economia caminha sempre para a sua tendência de longo prazo. Para além disso, o grau de desenvolvimento da economia argentina é inferior, o que obviamente faz com que haja maior margem de crescimento (daí essas taxas de crescimento). Se comparar as taxas de crescimento da economia portuguesa, durante o seu período de maior industrialização (1965-1973) verá que estas são iguais ou maiores que a argentina, e esse deverá ser o ponto de comparação mais correcto.
Quando usei esses dados da argentina foi para demonstrar os danos de um eventual incumprimento. No caso argentino parece-me que não haveria outra solução, contudo no caso da UEM as circunstâncias são distintas, devido ao peso internacional do euro e ao facto da dívida dos países estar expressa em euros ( ao contrário da argentina na altura). Assim, parece-me que há margem para o BCE garantir as dívidas, sem que isso tenha graves custos. Esse será um caminho sempre menos doloroso (contudo esse caminho, como refiro, exige contrapartidas, em nome do rigor e da estabilidade da zona euro).

De Jack Soifer a 09.08.2012 às 01:46

Caro Ricardo Gonçalves, PEÇO DESCULPAS.
COMENTO o seu: 'Quando compara as taxas de crescimento pós-crise argentina com as da UE, não me parece um raciocínio correcto, por dois motivos explicáveis pela teoria económica: primeiro após esse profunda depressão, é perfeitamente normal termos taxas de crescimento elevadas, uma vez que a economia caminha sempre para a sua tendência de longo prazo. Para além disso, o grau de desenvolvimento da economia argentina é inferior, o que obviamente faz com que haja maior margem de crescimento (daí essas taxas de crescimento)'.
NA REALIDADE: Ricardo, não esqueça q o 'caminha sempre...' é quando a economia é aberta e não sofreu o choque da saída de centenas, talvez milhares de empresas estrangeiras e fechou-se o mercado para empréstimos. Os investimentos tiveram q ser feitos com recursos próprios e muitas joias familiares foram vendidas ou empenhadas para se obter $ para a modernização industrial e o fundo de maneio então necessário.
Não esqueça que p.ex. Portugal e a maioria dos outros paises levam 25 anos para reduzir a economia paralela de 65 para 35, enquanto na Argentina a redução após o caos foi de uns 5 anos.
Não sei se "o grau de desenvolvimento da economia na Argentina é inferior", é diferente, pois baseia-se em gerar trabalho e aproveitar a matéria-prima local para o mercado local, com a tecnologia adequada a esta equação. Um país maior, com forte relações comerciais com apenas 3 outros grandes países necessariamente tem uma estrutura diferente de Portugal, com 11 grandes parceiros comerciais. Um país que prioriza o emprego e limita a dívida externa, pública e privada, tem outro PERFIL.
Quando trabalhei a nível int'l tinha muito cuidado com comparações de 2 países muito diferentes, mesmo que no mesmo período. Às vezes o crescimento de um, Argentina, deve-se a investimentos em infraestruturas que facilitarão a competitividade futura. Enquanto no outro são em indústrias para atender a procura do mercado interno. Esta tende a ser mais volátil em resultados , do que aquela.




Se comparar as taxas de crescimento da economia portuguesa, durante o seu período de maior industrialização (1965-1973) verá que estas são iguais ou maiores que a argentina, e esse deverá ser o ponto de comparação mais correcto.

De Ricardo Gonçalves a 09.08.2012 às 13:57

Relativamente à minha primeira afirmação, não quero desprezar, de todo, os progressos que a argentina teve nestes últimos anos, que foram claramente apreciáveis. Reconheço que as autoridades argentinas tiveram um papel fundamental na recuperação económica do país. Assim, a minha afirmação enquadra-se num contexto de recuperação da estrutura económica argentina e de reposição do seu PIB potencial. Claro está, que tendo a Argentina níveis de PIB per capita inferiores ao português (aliás, bastante inferiores), é perfeitamente natural que a margem de crescimento da economia argentina seja maior, reflectindo-se em taxas de crescimento superiores (foi apenas isso que quis dizer).
No período (1965-1973) foi um período de forte crescimento em Portugal que derivou de uma maior abertura ao exterior, e de ganhos de competitividade. Assim, genericamente a minha ideia era demonstrar que não se pode comparar as taxas de crescimento argentinas com as da UE, devido aos diferentes níveis de PIB per capita

De Jack Soifer a 10.08.2012 às 10:58

Ricardo, não nego este seu comentário do dia 9 sobre o PIB.
Mas nós, que trabalhamos a nível int'l cada vez mais nos distanciamos do PIB.
Já há década e meia adoptamos com mais frequência o PPP, Purchase Power Parity.
E mais recentemente o GINI. Desde o ano passado, como parte dos preparativos
para o Rio+20 um grande network de universidades e centros de investigação científica, onde tb participam indicados ao Nobel de Economia e coordenados
pelo Prof Rockstroem, do Stockhom Int'l Environmental Inst. (for Sustainable Devpmt), desenvolve uma medida alternativa ao PIB.
Lembre que o PIB é uma medida monetária. Não mede a satisfação dos cidadãos de
um país, não mede a democracia, a transparência, o acesso à escola e à saúde.
REPITO, O PIB NÃO É UMA MEDIDA ECONÓMICA, é só monetária. Pois não mede nem a economia paralela, nem nada que a teoria económica descreve como bens e serviços.
Pois no PIB quanto mais se gastar em policiamento, hospitais e prisões, maior o PIB.
Mas pior para a população. Um país com pouca criminalidade +doença tem menor PIB e maior satisfação!!! Se quiser ter ideia de como se manipulam os valores do PIB, leia sff o COMO SAIR DA CRISE B.
Se às vezes uso o PIB nos meus artigos é que em Portugal, por alguma razão que desconheço, não se usam outras medidas. Na maioria dos países da Zona Euro idem. Se contudo ler as teses de doutoramento da Suécia, UK, Canadá e até Holanda, verá com frequência este distanciamento.
A ARGENTINA TEM MENOR PIB, MAS IGUAL QUALIDADE DE VIDA que p.ex. Portugal.
Enquanto daqui emigram uns 100mil/ano dos melhores técnicos e profissionais, para lá imigram uns 50mil dos melhores técnicos e profissionais de muitos países. Porquê?

De Ricardo Gonçalves a 10.08.2012 às 19:34

Aquilo que diz é verdade. No entanto, quando fala da PPP (paridade dos poderes de compra), que visa medir o poder de compra real das pessoas, retirando as diferentes dos níveis de preços, vemos que o PIB per capita português medido desta maneira é ainda assim, bem superior ao Argentino. Contudo como disse, quando olhamos para o IDH (indice desenvolvimento humano) essa diferença esbate-se, o que vem de encontro às suas conclusões. Contudo, quando utilizei o PIB foi apenas para demonstrar apenas a margem de crescimento da economia argentina. Para além disso, com o aumento do desenvolvimento a economia paralela tem tendência a diminuir.
Quando fala na saída de técnicos nacionais, por contraste com aquilo que acontece na argentina, isso tem a ver com essa mesma questão da margem de crescimento. Assim, é perfeitamente normal que uma economia ainda em franco desenvolvimento atraia novos capitais, devido à maior rentabilidade que estes países oferecem.
A Portugal cabe seguir o caminho de efectuar profundas reformas estruturais, que aumentem o nosso PIB potencial, e por conseguinte a nossa margem de crescimento.

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