Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

O Ouriço

MENU

O Estado da Troika VIII: A Comissão Europeia

Paulino Brilhante Santos 30 Set 12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Comissão Europeia tem vindo a reforçar o caráter que sempre teve de uma instância tecnocrática dominada por economistas, financeiros e outros técnicos e especialistas que, depois de terem feito parte ativa do “Consenso de Washington” têm sempre perfilhado a cartilha económica mais “neo-liberal” possível em todos os domínios da sua atuação. Em parte, essa postura é compreensível já que o papel histórico da Comissão Europeia consistiu em reforçar a integração económica europeia, criar primeiro o Mercado Único Europeu, depois o Espaço Económico Europeu e mais tarde lançar o Euro. Todas estas tarefas, naturalmente, exigiram a adoção de medidas extremamente “neo-liberais”- em sentido impróprio- adotadas neste caso no âmbito da União Europeia, dado que foi preciso proceder ao desmantelamento de milhares de barreiras a essa integração económica europeia e que obstavam à livre circulação de pessoas, capitais e mercadorias. Assim, é natural, até certo ponto que a cultura organizacional da Comissão Europeia tenha um cunho marcadamente “neo-liberal”. Porém, na situação atual em que essas tarefas originais da Comissão Europeia se encontram praticamente concluídas, seria de toda a conveniência que esta importante e crucial instituição europeia se reorganizasse e tentasse mitigar os excessos de tal cultura “neo-liberal” que no atual estádio de desenvolvimento da União Europeia já não se justificam.

 

 

Caso a Comissão Europeia mantenha no Velho Continente a sua cultura tradicional de matriz anglo-saxónica em termos económicos por vezes mesmo ultra “neo-liberal”, é de prever a manutenção do seu atual divórcio dos cidadãos europeus cuja tradicão cultural é muito mais moldada por uma cultura social-democrata crente nas virtudes de um Estado Social Europeu.  Se ainda por cima, a Comissão Europeia, por “mandato” da Alemanha seguida pela França, Áustria, Holanda e Finlândia e mais uns quantos países do “Norte” da Europa, persistir em chefiar a Troika de Portugal, da Grécia e da Irlanda e eventualmente outras que possam ainda ser criadas para definir e executar políticas de pura e dura “austeridade” e “sacrifícios” sem o necessário equilíbrio social e destituídas de verdadeiros programas de promoção do emprego e do crescimento económico, continuará a erodir a sua legitimidade técnica caso enfrente mais falhanços clamorosos de tais políticas como na Grécia e não conseguirá recuperar, como entendemos que seria desejável, aquela módica parcela da sua legitimidade política perdida. Felizmente que vemos já alguns sinais, como sejam as propostas da Comissâo a favor das “Eurobonds”, da criação de uma Agência de Rating Europeia e de um imposto sobre as transações financeiras, que parecem indicar o princípio de alguma mudança de orientação nas políticas da Comissão num sentido mais divergente da cartilha ideológica – ainda que oculta sob o manto diáfano de uma inevitável opção “técnica”- dita “neo-liberal”.

 

O que é deveras espantoso não é tanto que a legitimidade técnica destes “especialistas” pareça poder estar finalmente a esgotar-se. É antes que estes “técnicos” tenham conseguido desenvolver um corpo de doutrinas económicas, depois ainda traduzido para doutrinas sociológicas, legais, práticas contabilísticas e muitas outras especialidades, se tenham tornado “indispensáveis”  a tantos governos, instâncias internacionais, instituições financeiras internacionais, à União Europeia e até mesmo à tradicionalmente considerada de “esquerda” Nações Unidas e, depois de devidamente entrincheirados, terem aplicado consistentemente sempre as mesmas “receitas”, sempre com os mesmos (péssimos) resultados para as sociedades em geral (ainda que com os excelentes resultados para a alta finança internacional) ao longo de mais de 30 anos. Sobreviveram, persistiram e resistiram a gravíssimas convulsões sociais, guerras civis, genocídios, tumultos sociais e muito mais, sempre impávidos e serenos, sempre garantindo que as medidas eram “provisórias” que após os inevitáveis “sacrifícios” do presente haveria radiosos “amanhãs que cantam” para todos quando esses amanhãs radiosos só foram sendo cantados nas salas de mercados e de câmbios e nas luxuosas salas de conselhos de administração. Moldaram à sua maneira governos, a União Europeia e mesmo as Nações Unidas. Terão mesmo promovido guerras “justas”, intervenções militares e o derrube de dezenas de governos por esse mundo fora. Zombaram com a democracia, fazendo dela mera caricatura ou nem se dando a tal trabalho em países como a Rússia ou, mais escandalosamente ainda, na China e em muitos países Asiáticos.

 

Por fim, “tomaram conta da ocorrência” em Portugal ditando simultaneamente o programa do atual governo e a ação do principal partido da oposição (?). Pelas próprias palavras do líder da UGT condicionaram uma grande central sindical a capitular perante as suas exigências “técnicas” de “reformas estruturais” indispensáveis no “mercado laboral”, apoiadas pelas “ameaças do governo” de Portugal que, pelos vistos serve apenas para caucionar a legitimidade técnica da Troika.

 

Perante isto, estou em crer que só com o saldo negativo devastador dos resultados destas políticas é que se poderá tornar patente que estas medidas da Troika que reúnem, diga-se, larguíssimo consenso maioritário dos economistas e financeiros portugueses, constitutem o dobre de finados da economia portuguesa e mais uma machadada para a desintegração do nosso tecido social, aliás, já extremamente fragilizado por décadas de “sacrifícios” ditados pela necessidade de acorrer a outras crises para as quais também não  havia alternativa à austeridade.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds