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Blogosfera que Pica
João Palmeiro 10 Out 12
O jornal “I” de 5 de Outubro publicou numa página interior do lado par, uma notícia sobre uma Conferência de um livro um antigo Batonário da Ordem dos Advogados (OA) que referiu que a instabilidade da justiça se deveria, em grande medida, a sua mediatização.
O ritmo da produção informativa dos media não se adequa às disponibilidades de comunicação da justiça, leia-se dos tribunais. “O tempo da justiça não é compaginável com o tempo dos media”, disse Júlio de Casto Caldas.
Não tive oportunidade de ler a totalidade da intervenção do antigo Bastonário da AO no lançamento de um livro na Procuradoria-Geral da República e não é meu objetivo polemizar a questão, até porque no essencial estou de acordo com o enunciado (a que já me referi outras vezes nestas crónicas).
Aliás e curiosamente na mesma edição do jornal “I” (5 de outubro de 2012) Saragoça de Malta assinou um artigo de opinião sobre o “tempo da justiça”, mas na perspectiva da economia e dos seus impactos na administração da justiça, que sendo um aspeto muito importante e actual, não é o objecto destas linhas, mas não posso deixar de chamar a atenção dos meus leitores para esta visão publicada na página 14 do jornal.
A justiça é uma fonte primária de informação noticiosa e com o desenvolvimetno da sociedade tomou um lugar cimeiro na vida dos cidadãos, quer como garantia dos direitos e liberdades, quer como fórum da resolução de litígios cada vez mais presentes na vida do dia-a-dia, sempre competitivos e a necessitar de mais eficaz protecção, por exemplo, dos direitos de propriedade inteletual.
Por razões historicamente explicáveis a arbitragem e outras formas de auto e corregulação ainda não adquiriram entre nós a importância e a confiança já atingidas nos países nórdicos e anglosaxões.
Resta por isso aos cidadãos e às empresas o recurso aos tribunais.
Sendo a sociedade portuguesa tradicionalmente ordeira e pacífica, a excepcionalidade do recurso ao tribunal (por parte dos cidadãos) e os baixos níveis de criminalidade (quando comparados com outros países e regiões no mesmo patamar de desenvolvimento) tornam os casos litigiosos (civis e criminais) que se afastam da mediania, quer pelo impacto do crime ou da disputa, quer pela imprevisibilidade do próprio julgamento, palco fértil de excessos, de imprevistos e de reviravoltas em fontes de informação muito importantes seja para os cidadãos, seja para o cumprimento da missão de informar que os media assumem de forma cada vez mais alargada na sociedade de informação.
Parece assim que o problema não está nem nos tribunais, nem nos media per si. Cada sector tem um papel vital no sistema democrátivo que adotamos e que a globalização do mundo vem tornando no paradigma que biliões de seres humanos esperam.
A recente “primavera árabe” é só o último episódio desta senda.
O problema está na interconectividade e interrelação entre os dois mundos, profundamente hierarquizado e regulamentadamente estruturado e independente o da justiça e o dos media, muito dependentes do tempo, e em que os directos auiovisuais transformaram o tempo em imediatismo, com um baixo grau de reflexão e hierarquização, mas um alto nível de autonomia na decisão das escolhas e dos processo de trabalho, com prioridade para a recolha de informação, onde as fontes assumem um papel muito relevante e decisivo.
A conclusão é simples.
Os tribunais (a justiça) comunicam com as partes (do processo) e não sentem qualquer outra obrigação; os media comunicam com as não partes (do processo) e sentem uma crescente obrigação (e necessidade) em alargar os seus públicos.
A consequência é óbvia, o caso contreto transforma-se numa “história” e aspetos secundários, tornam-se o centro de informação.
Forte da sua autonomia a administração judicial em consequência este movimento, afasta-se da informação e fecha-se.
Os media, seguros da sua missão e independência procuram por todos os meios irromper na torre de marfim da justiça.
É pois preciso compreender os problemas que de ambos os lados jsutificam estas “imparidades comunicacionais” (como é tão em uso dizer-se hoje).
A administração judicial não trabalha para comunicar para o público, comunica para os seus actores (juízes, procuradores, advogados, secretários e outros funcionários); o jornalista é também um especialista (em informação), o que devia colocá-lo ao mesmo nível dos outros actores da administração da justiça. Mas assim não entende a administração judicial, forte da sua autonomia e independência. Então ao jornalista resta procurar fontes secundárias, ou interessadas, o que aumenta o grau de falibilidade da qualidade da informação.
Como resolver esta equação com impactos brutais que começam a trazer para a preocupação pública um problema que, mal enunciado, pode levar, em última consequência, a limitações inaceitáveis de um bem democrático que é a liberdade e a independência do acesso à informação?
Em novembro de 2010, há quase dois anos portanto, a Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, a que eu presidia, juntamente com o Supremo Tribunal de Justiça, juntou em cinco sessões semanais os actores da administração da justiça e os jornalistas e os empresários de media para tentar compreender que remédios eram necessários para obviar à falta de relação entre os dois mundos (os resultados deste encontros estão em anexo).
Em poucas palavras, o problema definido era, do lado da administração da justiça, a necessidade, entre outros, de um sistema de “tradução” da justiça, isto é, apresentação dos casos e das sentenças em moldes de serem noticiados (para o público em geral) e que às vezes se traduziam simplesmente em decifrar a caligrafia do juíz (sobretudo quando se tratam de despachos já que a larga maioria das sentenças já é dactilografada).
Do lado da organização dos media, a importância da rentabilização dos jornalistas “correspondentes”, que cobrem a actividade judicial, permitindo um fio condutor de confiança e uma crescente especialização profissional dos jornalistas, evitando que à última da hora fossem substituídos por jornalistas não cenhecedores do caso ou juridicamente impreparados, porque o habitual correspondente tinha sido enviado para cobrir “uma conferência de imprensa sobre pescas”.
Já o leitor percebe que o que é preciso resolver está apenas no domínio da organização numa espécie de pescadinha de rabo na boca. Os media não enviam especialistas porque não vale a pena, uma vez que não há acesso profissional à informação e perguntas qualquer jornalista deve estar preparado para fazer numa reportagem, a adminsitração da justiça fecha-se, porque não confia nos resultados de uma maior abertura da informação.
Espero pois que o antigo Bastonário da AO (e todos os outros responsáveis da adminisitração da justiça) ajudem a resolver uma dificuldade, que está aliás prevista na legislação quadro da administração da justiça: a existência de um adido de imprensa em cada tribunal, que ajude os jornalistas na sua busca de informação.
Aos empresários de Comunicação Social compete apostar mais na formação de jornalistas e incentivar as chefias das redacções a melhor gerir os recursos humanos de que dispõem, mormente para a cobertura informativa da administração da justiça.
Em conjunto, justiça e media, terão de estudar, no âmbito do título profissional do jornalista, a existência de título especializado, quer permita, por exemplo, aceder a determinado nível de documentação judicial, sem um despacho específico de juízes ou através de uma password para o sistema informático da administração da justiça utilizado pelos juízes, procuradores e advogados.
É bem mais fácil, eficaz e seguro e benéfico para democracia.
Afinal é tudo só uma disputa do tempo que para cada parte tem um significado diferente e que resulta num tempo sem disputa, porque cada lado, administradores da justiça (para quem o tempo é segurança na decisão) e os difusores da informação (para quem o tempo é modelo de negócio) não saem do seu tempo, anulando qualquer disputa.
Os cidadãos é que perdem e a credibilidade das fontes corroi-se.
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