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O Ouriço

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Dívida: Os Primeiros 5000 Anos

Mendo Henriques 5 Nov 12

 

Dívida: Os Primeiros  5000 Anos, do antropólogo David Graeber é um livro muito especial. Quase todos os problemas que levanta são pertinentes. Quase todas as respostas que dá, são erradas ou enviesadas. O autor tem um raciocínio muito ideológico, sempre a querer provar a sua tese anarquista de que a sociedade nos corrompe. É, também, um livro invulgar, uma exposição sobre a construção humana da ideia de valor e dos interesses políticos que a acompanham. Analisa práticas desde as crenças religiosas sobre os deveres, até às noções positivistas de "dívida social", e as ligações entre os estados e os mercados.

Em Filosofia do Dinheiro, escreveu Georg Simmel  que " a troca de produtos não é apenas um fato económico "(52-53). Atribuímos um valor aos objetos, como se fosse uma qualidade inerente às relações sociais. Graeber faz alguma síntese das doutrinas conhecidas sobre valor, troca e dinheiro, mas traz novidades. Considera a dívida como a quantificação de uma promessa e de uma obrigação com uma ameaça de violência por detrás, em contraste com a obrigação na ajuda mútua.  Começa por dizer que a humanidade está em dívida absoluta para com o cosmos, por muito descabida que esta noção pareça nas sociedades individualistas. Com este começo, mostra como é difícil “calcular o incalculável", e desafia as teorias correntes da dívida que "culminam em justificações das instituições da “polícia, mercados e estados” (69). Uma abordagem que ultrapassa  a noção de sociedade como Estado-nação.

Sobre os fundamentos morais das relações económicas, Graeber aprecia o "comunismo" como o fundamento básico da sociedade. Em Inglês, por exemplo, "obrigado" deriva de um verbo que significa "Vou recordar o que fizeste por mim”(122). Mas extrai daqui conclusões enviesadas sobre o agradecimento como um comportamento da classe média. Distingue entre as economias comerciais e "humanas" (!!!!), as trocas em que o dinheiro atua mais como um lubrificante social que facilita a compra de coisas e arranjos conjugais usados para afirmar o controle masculino sobre as mulheres. Examina, enfim, as formas mais graves de dívida dos países ocidentais, essencialmente a dívida de guerra agregada desde 1790. Sendo os EUA um "complexo militar-industrial", o livro de Graeber serve como um lembrete da "doutrina de projeção de poder global", que conjuga o mal-estar social da dívida e a glorificação da violência económica e política que a sustenta.

Em Dívida, Graeber pretende derrubar muitos conceitos:  a troca direta; o mercado livre; e o dinheiro como mercadoria, mas o que mais consegue é chamar a atenção que devem ser repensados. O dinheiro, por exemplo, "não é uma 'coisa', é uma forma matemática de comparar as coisas"(52).

Mesmo sem concordarmos com as teses, ré evidente que o livro tem amplitude histórica e profundidade doutrinária. Afinal, “Os últimos 5000 anos” marca um regresso à "grande ideia" da antropologia que perdera força nas últimas décadas. Os antropólogos eram supostos falar sobre as nossas origens, história e diversidade mas estes assuntos foram capturados por amadores.

Ao combinar vários enquadramentos culturais e nacionais, a grande narrativa de Graeber é uma crónica de como a quantificação e codificação da dívida pode levar à desintegração de grandes civilizações e das soceidades atuais. É um livro que merece leitura urgente em tempo de crises e de dívidas. De “primaveras árabes” no norte de África, movimentos contra a "austeridade" em Portugal, Espanha e Grécia, de mobilizações Occupy Wall Street . Talvez o resumo mais sintético do livro seja a do leitor que escreveu: “Vivemos em uma dúzia de sistemas ao mesmo tempo. O capital domina mas não determina. As possibilidades são infinitas. "

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