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O Ouriço

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Uma imagem vale mil palavras???

João Palmeiro 23 Mai 13

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hà 15 dias, dois diários portugueses noticiaram uma perseguição policial, depois de um assalto que tinha originado dois feridos e com as diferencas próprias dos seus estatutos editoriais os factos batiam certos, mas... numa mais atenta análise, as noticias que em ambos os casos ocupavam pouco mais de meia página, AS FOTOGRAFIAS NÃO! (pode o leitor passar pela experiência nas fotos em anexo, e tentar um quiz em que, comigo, em cinco participantes só um deu pela diferença). Olhe então bem (como no velhinho "sê bom observador" do saudoso Diário Popular) e repare que, entre o texto e a imagem, só o enquadramento de um acidente ferroviário é igual, tudo o resto é diferente, o local, a viatura acidentada e o comboio (uma automotora nos dois casos é verdade) são muito diferentes. Não fora eu um “train spoter” e um treinado leitor de jornais, não teria reparado na diferença, mas um comboio é azul e o outro verde!!! E num caso a carrinha está virada e no outro esmagada!!!! Tenho perguntado a mim próprio (e a alguns colegas administradores de jornais) se aquelas fotos publicadas deveriam ser mera ilustração ou se faziam parte integrante da notícia e da credibilidade da informação. Parece evidente que, num dos jornais se trata de uma foto tirada no local do acidente e, no outro, de uma imagem de arquivo; assinada num caso e no outro não; e, por isso ponho à reflexão dos meus leitores saber o que esperam da imagem e portanto avaliar a promessa do editor. 1. Neste mundo digital a imagem assume, ou a importância de nos trazer à realidade ou a oportunidade de nos dar uma explicação - seja concreta ou criada. 2. Por isso o Estatuto Editorial de uma publicação é cada vez mais importante, pois é aí que o editor e os jornalistas desse suporte de informação profissional têm de prometer aos leitores como resolver situações em que a fotografia é essencial para a compreensão da notícia; neste caso, uma das redações esqueceu-se de indicar que a foto era de arquivo, a não ser que... 3. Um leitor (bem intencionado e train spoter como eu) tenha mandado uma foto de outro acidente, enfatizando assim a sua participação na feitura da notícia... 4. Depois de ter andado às voltas com esta questão, decidi pôr de parte o meu espírito observador de comboios e eleger a questão da assinatura da foto como a central, quer enquanto provedor quer, e por isso a mais importante para o leitor, quer enquanto defensor de modelos de autoregulação dos conteúdos jornalísticos. 5. A assinatura de uma fotografia, obrigatória, está prevista em qualquer estatuto editorial, contrato de trabalho de um fotojornalista e no Estatuto do Jornalista em Portugal. Não é por isso indiferente ou um mero preciosismo. Não indicar a pertença da fotografia (a sua autoria) é uma falha face ao direito de autor, face aos estatutos legais e face à confiança prometida e reciprocamente pedida ao leitor (quando refere o facto e compra a publicação). 6. Assim no caso que vimos analisando, a principal questão para a Provedoria é a questão da assinatura da fotografia (indicação de créditos), que no caso vertente poderá traduzir-se apenas na discussâo sobre que tipo de assinatura deve ser feita quando utilizamos uma fotografia sem referência de autoria, quer face ao direito de autor (a questão das obras orfãs) quer quanto à necessidade da identificação do seu conteúdo editorial. E esta questão está principalmente relacionada com o papel da edição responsável e da participação de contributos dos leitores (ou cidadãos repórteres). Quem é o responsável por esta situação contraditória em que o mesmo acidente, com impacto numa notícia do tipo caso de polícia, é retratado por duas imagens diferentes, embora com elementos gráficos semelhantes mas em que alguns não correspondem à realidade daquele acidente, e, qual é a importância dos elementos que constituem a realidade no acto jornalístico, neste caso em que a matéria central da notícia não é o acidente ferroviário mas um caso de policia, amplamente descrito, em que o acidente ferroviário condiciona o desfecho mas não é nuclear aos factos descritos, um assalto a uma bomba de gasolina! A resposta a esta questão é fundamental numa época em que a concorrência da informação determina a importância dos conteúdos e em que a participação de cidadãos reportéres parece ser um elemento decisivo para a dianteira dessa competição, cada vez mais alicerçada na informação de proximidade. A não ser que seja apenas uma questão de preguiça e de incompetência na gestão e na busca de arquivos e bases de dados nesta época em que a comunicação de dados (na fotografia) é mais importante do que a comunicação social (factos e informações de relevância social).

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Recordo-me que o “I” de 5 de Outubro publicou numa página interior do lado par, uma notícia sobre uma Conferência de um livro um antigo Batonário da Ordem dos Advogados (OA) que referiu que a instabilidade da justiça se deveria, em grande medida, a sua mediatização.

O ritmo da produção informativa dos media não se adequa às disponibilidades de comunicação da justiça, leia-se dos tribunais. “O tempo da justiça não é compaginável com o tempo dos media”, disse Júlio de Casto Caldas.

 

Não tive oportunidade de ler a totalidade da intervenção do antigo Bastonário da AO no lançamento de um livro na Procuradoria-Geral da República e não é meu objetivo polemizar a questão, até porque no essencial estou de acordo com o enunciado (a que já me referi outras vezes nestas crónicas).

 

Aliás e curiosamente na mesma edição do jornal “I” (5 de outubro de 2012) Saragoça de Malta assinou um artigo de opinião sobre o “tempo da justiça”, mas na perspectiva da economia e dos seus impactos na administração da justiça, que sendo um aspeto muito importante e actual, não é o objecto destas linhas, mas não posso deixar de chamar a atenção dos meus leitores para esta visão publicada na página 14 do jornal.

 

A justiça é uma fonte primária de informação noticiosa e com o desenvolvimetno da sociedade tomou um lugar cimeiro na vida dos cidadãos, quer como garantia dos direitos e liberdades, quer como fórum da resolução de litígios cada vez mais presentes na vida do dia-a-dia, sempre competitivos e a necessitar de mais eficaz protecção, por exemplo, dos direitos de propriedade inteletual.

 

Por razões historicamente explicáveis a arbitragem e outras formas de auto e corregulação ainda não adquiriram entre nós a importância e a confiança já atingidas nos países nórdicos e anglosaxões.

 

Resta por isso aos cidadãos e às empresas o recurso aos tribunais.

 

Sendo a sociedade portuguesa tradicionalmente ordeira e pacífica, a excepcionalidade do recurso ao tribunal (por parte dos cidadãos) e os baixos níveis de criminalidade (quando comparados com outros países e regiões no mesmo patamar de desenvolvimento) tornam os casos litigiosos (civis e criminais) que se afastam da mediania, quer pelo impacto do crime ou da disputa, quer pela imprevisibilidade do próprio julgamento, palco fértil de excessos, de imprevistos e de reviravoltas em fontes de informação muito importantes seja para os cidadãos, seja para o cumprimento da missão de informar que os media assumem de forma cada vez mais alargada na sociedade de informação.

 

Parece assim que o problema não está nem nos tribunais, nem nos media per si. Cada sector tem um papel vital no sistema democrátivo que adotamos e que a globalização do mundo vem tornando no paradigma que biliões de seres humanos esperam.

 

A recente “primavera árabe” é só o último episódio desta senda.

 

 

 

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Mais do que o Orçamento do Estado, enquanto documento condicionador de políticas e de projetos e modelos empresariais ou pessoais, mais do que o seu impacto sobre a vida das famílias e das empresas, o que assistimos nas últimas semanas, desde 7 de setembro, é a um imenso problema de comunicação que está a pôr os portugueses numa pressão psicológica sem precedentes. Nem a guerra em Africa, onde os objetivos poderiam ser condenáveis ou desastrosos, mas ao menos a comunicação era clara.

E a opacidade da informação, ainda por cima confusa e errática, mina os alicerces da democracia, com os mesmos efeitos da censura e da propaganda; os cidadãos começam por desconfiar que nunca lhes contam tudo, e prosseguem vendo em cada anúncio apenas um ato de condicionamento.

A conferência de imprensa do Ministro das Finanças é o mais recente ato desta tragicomédia.

A administração pública portuguesa perdeu há muitos anos a capacidade de se apresentar transparente e explicadamente aos cidadãos; o boato que mina as nações em momentos de tensão, foi substituído pelas redes sociais com uma capacidade de mobilização efetiva, ainda que com resultados mais aparentes do que efetivos; o cidadão vê-se assim à míngua de informação credível, manipulado por forças que de forma dissimulada, mas organizada, procuram lançar a anarquia e o caos social.

Infelizmente até o Presidente da Republica contribui – seguramente involuntariamente – para este estado de guerrilha comunicacional.

O cidadão, confuso, vira as costas à informação, desinteressa-se das atividades dos seus representantes eleitos e reage quando no final de janeiro recebe o recibo do ordenado.

 

 

Perante medidas tão complexas e tão impactantes para todos os portugueses, o Governo deveria já desenvolver uma campanha de informação pública, expondo as fórmulas de cálculo, os algoritmos e outros modelos matemáticos que vão guiar a vida dos portugueses, pelo menos por mais um ano.

 

Escrutinada por jornalistas e políticos, comentada pelas associações da sociedade civil, essa imprescindível campanha de informação pública conduziria ao debate – sério e honesto – que colocaria no campo das ideias (e dos ideais) o futuro de Portugal, retirando da simples palavra confusa as dúvidas e temores de futuro, para como ainda tão recentemente disse Adriano Moreira, devolver à palavra a força das palavras.


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Comunicação Social e Cultura? (capítulo integral do livro - Portugal Traduzido, edições Cosmos 2008)

 

A comunicação e a cultura, embora próximas, não se equivalem e não devem ser confundidas. Comecemos por tentar dissecar o conceito de comunicação. Em primeiro lugar, teremos de reconhecer que a comunicação pressupõe sempre bilateralidade e reciprocidade, que se traduz na circunstância de pelo menos duas partes poderem alternadamente assumir os papéis de emissor e receptor na transmissão de mensagens. Convém também distinguir as diferentes dimensões da mensagem transmissível por via de comunicação. Os dados, a informação e o conhecimento. Os dados são representações não inteligíveis por estarem desintegrados de um contexto específico. A informação representa já matéria inteligível através da conversão de dados em significado. E o conhecimento representa informação relevante para o indivíduo receptor da mensagem.

O seguinte exemplo facilmente concretiza o que acaba de ser exposto. O código TP103 que integra duas letras e três números, não revela nenhum significado inteligível, mas se o colocarmos no contexto dos voos da companhia aérea Air Portugal, oferece uma quantidade de informação relevante. O código TP103 corresponde ao voo com destino a Nova Iorque e que tem partida às 15 horas e 35 minutos. Esta informação transforma-se em conhecimento se for relevante para o receptor, que, por exemplo, poderá ser um passageiro atrasado em casa a fazer desesperadamente a sua mala, e que se apressa para chegar a tempo para fazer o check-in. É esta a natureza do conhecimento – informação inteligível que tenha um impacto existencial sobre o indivíduo. Implicitamente, nem todas as mensagens comunicadas encerram valor para o receptor.

Esta ideia leva-nos a questionar o significado da mensagem no sentido cultural e se esta pode vir de um emissor com o qual não mantemos os requisitos mínimos de comunicação. Ou seja, bilateralidade e reciprocidade.

A cultura contém em si elementos que poderemos designar por ‘próprio-comunicação’. Ou seja, o reconhecimento de um alter-ego ou alter-intelecto como o qual mantemos um diálogo que conduz a um refinamento do nosso sentido crítico. Se não realizarmos a tarefa autónoma de construção selectiva de um manancial cultural (escolhendo as mensagens que desejamos emitir ou receber), estaremos à mercê de emissores de conteúdos que formatam o nosso quadro mental e emocional.

Comecemos por encarar seriamente a seguinte designação utilizada em Portugal e de forma irreflectida: meios de comunicação social. Esta expressão chega com contradições genéticas. A comunicação social pressuporia que os receptores da mensagem pudessem igualmente emitir uma mensagem enquanto resposta à primeira mensagem nos mesmos termos ou em formato equivalente. Algo que não acontece, por exemplo, nas transmissões televisivas, uma vez que a massa dos telespectadores, enquanto corpo social, não produzem uma resposta uníssona. Embora exista bilateralidade, não observamos reciprocidade nesta relação, que correctamente terá de ser designada por difusão. A comunicação social, entendida enquanto relação entre pelo menos duas entidades sociais ou grupos, poderá ser observada, se quisermos, quando duas claques de futebol rivais se posicionam nas bancadas opostas de um estádio de futebol e entoam cânticos que provocam sucessivas respostas. Neste caso, poderemos aceitar uma definição de comunicação social, se nela realmente pretendermos insistir.

A estação de televisão Sociedade Independente de Comunicação (SIC) poderia ter reflectido um pouco mais sobre o significado da sua designação. Com mais justeza, a SIC deveria ser designada por SID, ou seja, Sociedade Independente de Difusão. Quando ouvimos a expressão ‘meios de comunicação social’ estamos a ser induzidos num erro grosseiro. O termo correcto para definir a actividade de transmissão de mensagens realizada de forma unilateral, será a difusão. A Rádio Difusão Portuguesa representa uma expressão honesta, uma vez que a difusão corresponde à transmissão de mensagens e é realizada apenas num sentido, de um emissor para um sem número de receptores. As verdadeiras empresas de comunicação, serão, segundo esta acepção, as ‘telecoms’, ou seja, as empresas de telecomunicações, como a Portugal Telecom ou a americana SBC, que garantem bilateralidade e reciprocidade. Ou seja, uma equivalência entre emissor e receptores, através de um contínuo jogo de alternâncias. Retomando a expressão ‘meios de comunicação social’, e após pesquisa nos meandros internacionais da teoria da comunicação, não encontramos em nenhuma outra tradição linguística essa expressão. Aceitar uma ideia de ‘meios de comunicação social’ significa aceitar instrumentos de transmissão de mensagens que não assume uma configuração intencionalmente organizada, como acontece com os jornais diários ou a televisão, uma vez que um corpo social assume formas espontâneas e pela agregação de indivíduos e respectivas vontades.

Outra interpretação da expressão leva-nos a concluir que a ênfase é colocado nos ‘meios’ em detrimento da dimensão humana. Uma maior importância é atribuída à tecnologia envolvida, do que ao capital humano ou intelectual, prevalecendo a forma sobre a matéria.

A transmissão de mensagens que poderá ser integralmente controlada, é aquela construída por cada indivíduo na sua autonomia existencial. As mensagens transmitidas de um indivíduo para outro têm a obrigação de estar sujeitas ao escrutínio da fundamentação e do valor, porque não dependem de nenhuma outra instância. Nesse sentido, a comunicação resultante do esforço individual será sempre uma tarefa eminentemente cultural, pela forma como cada um de nós selecciona a matéria que deseja integrar no seu espectro de conhecimento. Poderemos também fazer alusão à captação de informação a partir de ‘naturezas mortas ou latentes’, assumindo que tudo o que nos rodeia tem relevância e conhecimento. Isto implica reconhecer o esforço que se exige na interpretação da ‘informação latente’ presente em todos os veículos de informação, sejam livros, a arquitectura ou um cão vadio que atravessa a rua.

Assumir que existe uma hierarquia de valor cultural ou informação mais ou menos relevante, significa reduzir a possibilidade de crescimento intelectual seja qual for a plataforma de partida. Aceitar passivamente que determinados veículos de informação possam estabelecer uma hierarquia de valores de conhecimento, significa comprometer a possibilidade de construirmos o nosso sentido crítico, que se configura através do contínuo confronto de ideias e partilha de informação.

A capacidade para comunicar de forma eficiente relaciona-se com a atribuição de importância ao conceito de inteligência emocional que apenas se manifesta em estruturas sociais. Uma pré-condição para o desenvolvimento do potencial de comunicação será a manutenção da dinâmica das relações afectivas. As emoções despoletam no indivíduo a vontade de interagir, e representam estados de desequilíbrio, pela desigualdade que se observa entre os interlocutores, no que diz respeito à detenção de quantidade ou qualidade de informação. O fluir de informação ou conhecimento acontece através de um status de desencontro ou erro, entre as partes envolvidas numa relação de comunicação. A cultura enquanto produto fraccionável também não se encontra repartida de forma equitativa, sendo que qualquer indivíduo apresenta sempre a sua condição de eterno deficitário de conhecimento – a totalidade nunca será apreendida, assim como as qualidades intrínsecas de um dado objecto de saber.

Compreender a nossa permanente relatividade cultural significa que devemos procurar a partilha de conhecimentos, numa base equitativa e sem preconceitos sociais. O estabelecimento de canais de comunicação eficientes, tecnologicamente tendentes à infalibilidade, não substitui a carga qualitativa da mensagem. A própria ideia de sistematização da cultura em esquemas orgânicos contradiz a natureza comunicacional e genética de cultura, que sobrevive e evolui à custa do caos do contributo crítico obtido nas várias respostas que surgem em tempos distintos. Não reconhecer os atributos da resposta ou reacção, significa aceitar a ditadura que nos é imposta por determinados intérpretes de informação. Cabe a cada indivíduo desenvolver autonomamente o seu manancial de conhecimento, e produzir uma resposta aos sistemas de difusão, que nunca serão meios de comunicação. Contudo, num momento prévio a essa acção, somos confrontados com a necessidade urgente de socializar a comunicação de forma a que se transforme num fenómeno universal. Isto significa aprender a estabelecer ligações com indivíduos ou entidades que neutralizem preconceitos ou juízos de valor.

Em Portugal, podemos observar que quer o conhecimento, quer a informação ou a cultura ainda estão entranhados nas estruturas de poder ou na ideia de autoridade. A informação ou a cultura, é utilizada enquanto ferramenta ao serviço do poder e da afirmação social. Assistimos ao sequestro do conhecimento, perpetrada pelas estruturas de poder, dificultando o desenvolvimento cultural e democrático do país. A política cultural serve sobretudo para agradar as elites do poder, e não consegue alcançar destinatários não filiados nas várias matrizes que configuram a realidade. A cultura continua a ser um processo burocrático, porque não exalta a possibilidade de crescimento independente e criativo dos indivíduos. Novamente confirmamos que não assistimos ao esforço de materialização do conceito de comunicação bilateral e recíproco entre o poder e os seus destinatários, que deveria servir para libertar todo o potencial de qualquer cidadão. Por outro lado, não sentimos a mensagem de contágio dos vários agentes ou intervenientes culturais que têm a obrigação de questionar a forma como os governos gerem a cultura – matéria comunicável por excelência.

Enquanto a idolatria dos emissores de mensagens for a norma, nunca teremos a capacidade dera discernir o valor da mensagem do ruído de fundo. Ao delegarmos a produção de mensagens a representantes mediáticos (comentadores e cronistas) comprometemos a nossa autonomia e recuamos no processo de consolidação democrático. Torna-se nossa obrigação participar no processo de produção e emissão de mensagens, enquanto reacção ou não, a mensagens veiculadas num momento prévio. No âmago do conceito de comunicação encontramos a virtude democrática da livre expressão. Talvez devido a Portugal ainda se encontrar na infância da Democracia – 33 anos volvidos sobre o 25 de Abril – a ideia de partilha de informação não está convenientemente presente no comportamento individual ou social da sociedade. Observa-se uma atitude de salvaguarda do ‘quinhão de informação’ e a rejeição de uma ideia de conhecimento partilhado colectivamente.

A incapacidade para proceder à análise dos conteúdos das mensagens, relaciona-se com a excessiva importância atribuída ao agente no processo de comunicação. Em Portugal, quem profere o discurso assume maior importância do que a mensagem transmitida. E como as mensagens não se emancipam dos enunciadores, as ideias não sobrevivem enquanto conceitos autónomos. Contraria-se deste modo a dinâmica da livre circulação de ideias, que apenas cumpre o seu propósito se se der a sua emancipação na sociedade que progride também através de um esforço colectivo anónimo e de comunicação.

Num plano prévio à comunicação somos obrigados a encarar o domínio cognitivo do sistema de troca de mensagens ou conteúdos. Assumindo a comunicação enquanto mecanismo de compensação ou troca entre diferentes actores, devemos também perceber o significado de algo que poderemos designar ou entender como ‘vector de integração’, que se traduz na vocação para integrar elementos exógenos à própria natureza ou génese. Ou seja, a integração no nosso quadro mental de ramificações cognitivas que nos obrigam a questionar a nossa plataforma de percepção e entendimento. Ao aceitarmos a nossa fragilidade intelectual, e uma ideia de mudança de paradigmas, seremos obrigados a escutar mais atentamente as mensagens produzidas pelos outros e a questionar as nossas certezas. Convém no entanto, não abandonar o nosso próprio racional e proceder à eleição inconsciente de ‘intérpretes da verdade’ – substitutos da nossa independência e do nosso pensamento.

A comunicação pressupõe sempre um sentido de responsabilidade cívico pela forma como as mensagens podem instigar condutas. Cada indivíduo deve ser responsabilizado pela mensagem que emite e proceder à análise do tipo e forma de reacção que produz no receptor. A apropriação de mensagens preconcebidas por outros também representa um forma negativa de reacção a mensagens e uma conduta reprovável, uma vez que viola o princípio de integridade intelectual. Contudo, os conceitos ou as ideias que se afirmam enquanto novidade, apenas representam a continuidade de um processo de construção social interminável. Cada indivíduo participa na elaboração de um quadro alargado e societário de conhecimento e cultura.

Um dos grandes entraves à comunicação em Portugal relaciona-se também com a ‘personalização das mensagens’ e a perda do sentido ‘missionário’ da ideia anónima. Ou seja, as ideias, pela sua natureza, detêm um valor intrínseco que transcende a importância da sua autoria.

A crítica, enunciada pelo sujeito em qualquer ambiente relacional, e que se assume como outra modalidade de mensagem, é tida muitas vezes como um ataque ao carácter e honra do produtor da mensagem. A excessiva estratificação social portuguesa ditou canais de comunicação que dificultam o fluir de ideias e torna difícil o veicular da crítica de um patamar para outro, de um segmento para outro, e de individuo para indivíduo. Por razões de continuidade existencial, assistimos ao desenvolvimento de falsas elites intelectuais que garantem a sua sobrevivência pela inviolabilidade dos seus códigos de comunicação (as mensagens que produzem não fazem sentido ou não são entendidas) A existência destes círculos restritos depende da mensagem insondável que emitem e pelo efeito de falsa ignorância que suscita nos outros. Tentar restringir o acesso às genuínas fontes do saber significa adiar o desenvolvimento de uma sociedade e dos elementos que a integram.

A cultura encerra no seu significado a conversão de conhecimento especializado em símbolos que possam ser apreendidos e entendidos por leigos. A comunicação e a cultura estabelecem uma relação simbiótica quando servem o desenvolvimento da sociedade. A relação que se poderá estabelecer entre comunicação e cultura diz respeito ao papel da cultura enquanto fornecedora de conteúdos ou mensagens.

Estabelecer uma linha de comunicação tecnologicamente dotada não significa a criação de informação ou conhecimento válidos ou pertinentes para as partes envolvidas. De nada serve a possibilidade de comunicação em ‘alta-fidelidade’ se os conteúdos a transmitir são de fraca ou nula qualidade. Portugal representa o ‘país-tubo-de-ensaio-de-eleição’ para testar os mais recentes equipamentos de comunicação. A última geração de terminais de comunicação (telemóveis) chega quase sempre em primeiro lugar a Portugal devido à apetência do mercado para consumir os últimos gritos tecnológicos. As empresas de comunicação sabem que Portugal representa um modelo perfeito para medir a penetração de novos equipamentos no mercado.

Infelizmente, essa expressão vanguardista não se faz acompanhar pelo desenvolvimento dos conteúdos de comunicação porque os consumidores não questionam as mensagens, preferindo o apelo da dotação tecnológica. Estaremos na presença de uma sociedade que aprecia muito a exibição dos seus brinquedos tecnológicos, mas que não acompanha essa tendência com o incremento da sua expressão cultural. A comunicação tecnologicamente versada não implica no seu conceito um pacote intelectual ou cultural. Ter a presunção de que o equipamento tecnológico de uma sociedade possa induzir a elevação do nível cultural representa um equívoco. Sem a construção sustentada de um manancial cultural, uma sociedade fica comprometida pela incapacidade em comunicar com o futuro, que acontece com a contínua renovação de ideias. A inexistência de um fluxo de comunicação entre disciplinas distintas, através do qual os interlocutores estabelecem um diálogo multidisciplinar ou intercultural significa negar a própria história nacional que foi sendo construída pelo contributo de mensagens exteriores.

O império ultramarino constituiu para além da sua dimensão económica, uma experiência pioneira na construção de uma rede transnacional de comunicação entre culturas distintas. Por analogia, assistimos ao desenvolvimento sub-reptício de uma rede de comunicação intercultural no plano interno. A integração de comunidades de imigrantes em Portugal poderia representar uma oportunidade para inverter a lógica de comunicação no contexto da localização geográfica de Portugal no limite ocidental da Europa. A recepção de pessoas de culturas distintas (verdadeiros agentes culturais) no território nacional deveria implicar o aproveitamento do capital intelectual vindo do exterior. A construção de riqueza numa sociedade processa-se por via do aproveitamento de factores exógenos. A consanguinidade intelectual de uma sociedade representa o início de um processo de degeneração, e relaciona-se com a negação da ideia de comunicação com elementos, conteúdos ou indivíduos não pertencentes ao paradigma dominante. Em termos caricaturais, poderíamos utilizar o letreiro corrente que informa sobre a ‘entrada proibida a pessoas estranhas ao serviço’. Leia-se: ‘entrada proibida a ideias excêntricas no processo de pensamento’.

A exclusão de elementos originais na cadeia de comunicação significa o não refrescar dos conteúdos da mensagem. E o resultado da agregação de mensagens individuais também perfaz algo que poderemos designar por mensagem nacional ou colectiva. Corremos o risco de o país veicular uma mensagem colectiva que nega a noção de processo intelectual dinâmico. A forma como um país é percepcionado representa assim mais uma dimensão da comunicação. Qualquer forma de expressão ou produção de mensagem implica um fenómeno de percepção que não se controla à partida. Assumindo esta afirmação reforça-se a responsabilidade associada à produção de mensagens no sentido colectivo. No grande sistema internacional cada país é também percepcionado de acordo com a matriz de comunicação que define. A exterioridade da comunicação de um país determinará o seu posicionamento na tabela de desenvolvimento e as oportunidades comunicadas por entidades externas. Comunicar é preciso.

 

 

 

 

 

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